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Joana Traub Csekö, "Passagens - Outeiro"
A “série Passagens” trabalha com as ideias de inserção e continuidade entre imagens, bem como as noções de sobreposição e entrelaçamento de diferentes tempos e espaços. Suas imagens são montadas a partir de um acervo constituído por fotos captadas por mim e fotos achadas, apropriadas.
A operação sutil de inserção de imagens umas dentro das outras cria perspectivas temporais, conexões entre espaços, lugares que não existem. Destas fusões emergem imagens ficcionais onde entrevemos aberturas, entradas, mas também veladuras, esquecimentos.
No gesto de apropriação interessam fotografias impregnadas de tempo que gerem torções e deslocamentos. Através dessas imagens é possível recombinar passados e torná-los parte do presente quando elejo fotografias desgarradas de seu contexto original. São fragmentos narrativos que, justapostos à outras fotos, fazem surgir uma terceira imagem mais densa, provida de novo sentido insólito, inesperado. As fotos feitas por mim são camadas submersas da cidade: ruas perdidas, construções, ruínas, vestígios que, fotografados, trazem consigo ecos de outros tempos, lugares oníricos.
Quais são as cidades que habitam a memória dos cariocas? Quantos são os lugares dos quais lembramos, mas que não existem mais? O sapateiro, o quintal, os bondes, a mercearia, o açougue, o armarinho, aquela rua... O que havia antes do novo prédio que subiu, de um estacionamento ou da recém aberta farmácia? A seleção das “Passagens” aqui apresentada é perpassada pela temática do urbano e da memória, tendo como pano de fundo o Rio de Janeiro e, especialmente, a parte central da cidade.
As “Passagens – Outeiro” são dedicadas a esta colina incrustada no bairro da Glória, que viu a cidade crescer a sua volta. Fotografei suas ladeiras e vestígios de passados da cidade, como muros de pedra, calçamento pé-de-moleque ou de paralelepípedos, utilizando estes elementos como texturas para as imagens compostas que caracterizam as “Passagens”.
FICHA TÉCNICA:
“Passagens – Outeiro”, 2019
fotografia cor, fotografia apropriada e manipulação digital
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Gabriela Betin Capa, "Sem Título". Série Instantes Invisíveis.
O trabalho apresentado faz parte da série “Instantes Invisíveis”, originada na intenção de investigar as modificações organizacionais e a paisagem fragmentada que envolve o espaço urbano contemporâneo. A partir das relações implicadas entre viver e habitar a cidade, surgem possibilidades para um corpo (artista) que atravessa e se deixa atravessar por esse processo movente, desviando o olhar para lugares e/ou temporalidades que deixam de ser vistas cotidianamente. Desta forma, investigo a influência das modificações na paisagem arquitetônica da cidade e o que se escolhe para ser visto nesse lugar, como reflexo da própria desintegração da vida no espaço da urbe. A pesquisa poética parte então da fotografia digital de lugares que estão sujeitos a um estado estrutural efêmero, e guardam relação direta entre a arquitetura e o morar na cidade, mais especificamente a cidade de Santa Maria/RS, onde resido e pesquiso atualmente. Assim, intenciono experimentar o que há para ver nesse instante em que a fotografia é captada, como um testemunho dos estágios da paisagem, e como isso afeta ou transforma também as formas de perceber e se relacionar com o urbano.
Entre transparências e sobreposições, são refletidas as relações de semelhança e de divergência implicadas na fragilidade momentânea das construções em ruínas, e no estado transitório das novas estruturas prediais que se solidificam rapidamente.
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ANTONIO JOSÉ DOS SANTOS JUNIOR, “Quem sabe não deixaram com alguém que gostasse de ler?”
Este trabalho integra a série: “Afetividades distantes, pinturas aproximativas”, cuja poética destaca a reconstrução de memórias pessoais. O trabalho foi formulado partindo de relatos sobre objetos particulares de pessoas, familiares ou amigos afetivamente significativos, que estiveram ligadas ao artista em distintos períodos e lugares. As descrições destes indivíduos sobre suas memórias destes objetos ampliam e ressignificam o sentido da palavra familiar, quando aplicada aos próprios objetos. As experimentações pictóricas foram produzidas partindo apenas de relatos subjetivos enviados ao artista via e-mail ou redes sociais. Este procedimento tornou possível a materialização da imagem invisível, a partir da sua recriação. Para a exposição dos trabalhos, foi utilizado um monóculo de madeira, que propicia a mediação destas experimentações pictóricas, estabelecendo um distanciamento entre a pintura realizada e o espectador, deflagrando uma fundamental distância entre o tempo vivido e o tempo presente, agora ressignificado, bem como discussões acerca do tempo e da dicotomia entre distanciamento e aproximação. O envolvimento dos indivíduos nesta ação poética tem potencializado a pesquisa e a reflexão sobre a criação de novas imagens na contemporaneidade.
Artista: Antonio Junior
Título: “Quem sabe não deixaram com alguém que gostasse de ler?”
Ano: 2019-20
Técnica e matérias: Óleo sobre tela e objeto de madeira
Dimensões: 70 x 100 cm x 200 cm
Relato – Alphonsus Benetti
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Vanessa de Lima Silva, A Fonte
A mineira Lélia Gonzalez foi uma intelectual negra, protagonista em sua própria história. Lutou em favor da construção de novas epistemologias que contrapunham as bases teóricas de origem eurocêntrica, buscando retirar pessoas negras das margens para o centro como meio de referência e conhecimento. Ela ilumina a caminhada de muitas intelectuais engajadas no feminismo negro, mesmo sendo pouco notada na academia nacional.
Lançou mão da psicanálise ao candomblé enquanto forma de autoconhecimento e de compreensão da cultura brasileira, criando conceitos como o "pretoguês" e amefricanidade. "Como nas águas de um rio misterioso, sagrado e protegido por Oxum, a mesma orixá feminina que abençoou os passos e concedeu a imensurável generosidade para sua filha Lélia de nos presentear com sua obra atemporal, seguimos bebendo na fonte de nossos ancestrais, guiadas por muita solidariedade, organização e confiança na nossa militância. Descolonizar é uma necessidade." Júlia de Miranda.
Técnica: Colagem Digital
2021
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Manoela Furtado, A Sutileza do Peso
Manoela recolhe objetos descartados que encontra em seus trajetos pela cidade e propõe novas condições de funcionamento a essas mercadorias sucateadas. Ao deter-se sob materiais que estão à margem de uma sociedade calcada na economia de trocas comerciais - que foram fatalmente direcionados ao lixo por perderem sua serventia -, os estabelece como sobras desvalorizadas que têm potencial estético. Assim, subverte a lógica normatizante ao criar modos insurgentes de existência baseadas no contato e no afeto do que é considerado ordinário.
Cada grupo humano é uma sociedade de universos insulares: vivemos sob o teto das relações inevitáveis. Mas a artista repousa seu olhar no chão: apropria-se dos materiais e traduz informações recolhidas de locais que nos são comuns, mas que não costumamos deter atenção.
Em “A Sutileza do Peso”, a rigidez de pedras se mesclam em comunhão com a leveza e limpidez de vidros, propondo a convivência entre transparências e opacidades. Assim, os signos silenciosos de seu trabalho ecoam num discurso provindo de relações que tocam o pavimento humano – sejam essas a dos corpos inanimados ou a dos corpos vivos.
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Gilson de Souza Andrade, ação de justiça ou acordar aqueles que nunca dormem
A ação consiste em criar uma ligação entre dois planos, entre o que está na superfície e abaixo dela.
A ação consiste em atravessar dois tempos, entre este momento do agora e outros que estão soterrados.
A ação consiste em abrir uma fenda no chão, encontrar a terra e soprar-la no ar.
A ação consiste em acordar a terra que dorme sob nossos pés, fazer com que ela se mova em nossa causa.
A ação consiste em mudar o estado das coisas.
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Teo Senna, Aconchego Pictórico
ACONCHEGO PICTÓRICO é uma exposição intimista de pinturas realizadas pelo artista Téo Senna, natural do Rio de Janeiro e morador do tradicional bairro de Santa Teresa. A exposição vai de encontro ao contexto global - enfrentado por todos nós - de enfrentamento à pandemia. Estar em casa passou a ser uma questão de subsistência.
Apesar de a reclusão ser uma medida incomum na contemporaneidade, a questão da moradia como refúgio sempre teve um papel vital na sobrevivência humana. Desde os tempos primitivos, abrigar-se era uma forma primordial de se proteger de fenômenos naturais exteriores, além de ser um refúgio contra ataques de terceiros e animais ferozes.
Após milênios, o abrigo se tornou lar, uma espécie de projeto de espaço habitável: a casa. Só que mais que uma casa, o termo lar ainda que possa ser considerado um sinônimo, apresenta uma conotação mais afetiva e pessoal: é a casa vista como o lugar próprio de um indivíduo.
Dentro do lar o aconchego é resultado da nossa percepção sensorial do espaço, nada mais aconchegante que o nosso lar ou o que damos o status de lar.
Aconchegar é chegar umas coisas perto de outras, é aproximar muito, é chegar a si. Na vida de um artista há um lugar ainda mais acolhedor: o atelier. No caso de Téo, seu lar é um atelier. A casa e o espaço criativo estão sobrepostos.
Esta condição onde o espaço de trabalho é o espaço de afeto poderia resultar em desconforto, mas o artista se aproveita da condição cotidiana como ponto de partida para a sua série de trabalhos.
A exposição ACONCHEGO PICTÓRICO é um convite de boas vindas ao íntimo do artista. É retornar - depois de tanto tempo recluso - ao lar cultural. É aconchegar o olhar e descansar seu lar pictórico.
Marcela Cavallini, Apocalipxon
Baía de Guanabara-Paquetá-Projeto Territórios Sensíveis. Meu corpo grávido dança o apocalipse. Imerso no mar de lixo gerado pelos rastros da capital da cidade do Rio de Janeiro e que vem banhando o horizonte diário dos moradores da pequena ilha. Nesse trecho da performance exponho a perturbação corporificada desde o meu ventre enquanto cartógrafa dessas águas. É o estremecimento que emerge junto com as vozes que escutei, com as imagens que vi e pesquisei e de como senti ao pisar aquele terreno. Nomeio a junção do lixo com o apocalipse como o legado cristão que invadiu essas terras junto à promessa de seu cruel projeto civilizatório.
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Fernanda Dias, As danças negras e suas estéticas na cena carioca
O trabalho que será apresentado trata da influência que as danças negras elaboradas por Mercedes Baptista e Germaine Acogny, tiveram para a criação do Laboratório raízes do Movimento. Uma vivência nas danças negras com foco no gesto cênico do artista da cena. O campo das artes da cena, sobretudo os de formação, geralmente vira as costas para as danças negras, quando pensa-se em preparação corporal ou criação do gesto cênico, seja ele coreográfico do bailarino (a) ou como partitura corporal do ator (a). Sobretudo para quem transita nesses territórios como artista, pesquisador ou encenador, o texto apresenta uma abordagem que vem desenvolvendo-se desde 2015, nutrindo-se das estéticas e poéticas negras brasileiras e africanas, para criações cênicas e corporais contemporâneas.
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Renata de Mello, Carne e Pedra: MAMA
Esta série consiste em uma parte da sequência de objetos produzidos para a obra “Carne e Pedra” a partir da ideia de fusão entre o espaço físico da cidade, e seus materiais, e o corpo, e sua matéria. Propondo um relacionamento íntimo de mistura de substâncias e alterações de formas, conectando a percepção do que possa ser “dentro” e “fora”, tanto do corpo quanto do espaço da cidade, além de incorporar uma situação pessoal da saúde e funcionamento do meu corpo de artista e pesquisadora à concepção da proposição.
As 4 peças são representações das mamas, do nódulo mamário e do processo cirúrgico, confeccionados em cimento, rejunte e cola branca, apoiados em pequenos suportes de madeira, além de uma fotografia da ultrassonografia mamária.
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Sonia Vill, Cidadão de Bem
Recentemente a expressão “Cidadão de Bem” se consolidou no Brasil. Este personagem se acredita ícone da moralidade e virtude. É homem, cristão, conservador e branco. É esteio da sociedade patriarcal e patrimonialista. As armas são o seu maior fetiche.
O trabalho “Cidadão de Bem”, fala desta identidade que hoje é exibida sem constrangimentos. Olha para a banalização da violência e aponta para as contradições e hipocrisia contidas na ilusão de segurança pelo armamento da população.
Vemos cotidianamente, através de estratégias midiáticas e políticas que incentivam o ódio e o medo, uma parte da sociedade banalizando o ridículo e transformando o que se definiria como monstruosidade em heroismo.
Na estética da violência, as armas são fundamentais para manter este macho na cena de poder, numa performatividade marcada pelo desprezo ao outro e fascínio pela morte. Nesta perspectiva é incentivada a percepção deste outro, qualquer um que seja diferente ou pense diferente, como inimigo, logo, deve ser eliminado ou destruído.
Estas são estratégias que fortalecem os modelos de submissão, preconceito e classe social. Defendem a “propriedade e a liberdade”, num ato em que antecipa o respeito à propriedade ao próprio direito à vida. A violência deste discurso se empodera como modelo moral e ideal de sociedade. Trazê-lo em imagens é uma forma de questioná-lo.
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Alexandre Mourão, Coletivo Aparecidos Políticos: 10 anos de luta pela memória e contra os crimes da ditadura militar
Somos um grupo de arte e política voltados na luta por memória, verdade e justiça relacionada ao período ditatorial (1964-1985) e seus resquícios na atualidade. Em outubro de 2009 presenciamos, emocionados, a cerimônia de velamento do corpo de Bergson Gurjão Farias, militante oponente da ditadura, encontrado depois de 37 anos. Ele era dado com desaparecido político e foi vítima dos militares. Um ano depois, em 2010, ao observarmos que nossa cidade possuia diversos prédios públicos e ruas com nome de ditadores, resolvemos criar um grupo que realizasse intervenções urbanas artísticas nesses locais, com intuito de divulgar uma memória que muitos queriam esquecer.
Nesses 10 anos de atuação temos realizado intervenções urbanas, transmissões de rádio, grafites, performances, exposições, oficinas, palestras, publicações, como o Minimanual da Arte Guerrilha Urbana e até a criação de um espaço cultural. Alguns desses trabalhos nos permitiu sermos homenageados pela Assembléia Legislativa do Ceará, recebido premiações de salões de arte, como Salão de Abril e contemplados em editais relevantes como dois da Fundação Nacional de Artes.
Além disso, realizamos um intercâmbio na Argentina e passamos por algumas cidades do país para divulgar nosso trabalho e realizar oficinas educativas. Sempre realizamos parcerias com familiares de mortos e desaparecidos políticos, ex-presos políticos e movimentos sociais. Nosso trabalho já incomodou tanto que até chegamos a sofrer intervenção de militares em uma performance nossa em um salão artístico além de sermos citados no site do torturador Brilhante Ustra, bem antes dele ser conhecido.
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Maíra Calleagaro Velho, CONTINUE SONHANDO
Trata-se de um autorretrato, onde vislumbro entre tantas, a cena do ócio aflitivo vivido frequentemente durante o período inicial da quarentena.
Desenho em grafite, aquarela e tinta acrílica sobre papel, 2020.
14x17,5cm
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Doug Firmino, Corpos Rebaixados
A série é composta por dez obras (foram submetidas apenas cinco), feitas com aquarela e grafite sobre papel Fabriano de alta gramatura, no qual a junção de técnicas atuam de modo coeso, a fim de implementar da cor por meio da macha de modo gradativo no desenho.
Estas obras são resultados diretos da interação entre desenho de observação e de criação, relação pensada para valorizar a expressividade da materialidade técnica em compor uma atmosfera ficcional para abrigar as representações grotescas de corpos fragmentados e rebaixados.
Os aspectos poéticos que envolve o desenvolvimento do trabalho parte da relação direta com a experiência de frequentar laboratório de anatomia, local onde exercício das percepções acerca dos estudos técnicos do corpo humano são pontos cruciais. Isso me fez refletir sobre ressignificação do corpo nesse espaço de conhecimento, pois, as carcaças humanas ali são neutralizadas de seus históricos existenciais, por meio de processos burocráticos que apagam o passado daqueles corpos que algum dia foram vivos. O rebaixamento é um pré-requisito do corpo grotesco e de forma específico é possível percebe-lo por meio destas obras, tanto nas abordagens visuais que propõem resoluções isoladas desses corpos, quanto nas narrativas ficcionais que são adicionas nas obras por meio de pequenas frases que conduz o observador que conceber relações históricas do passados desses corpos inexistentes.
Por mais assustador que pareça, ser guiado de modo subjetivo pelas visualidades dessas carcaças humanas foi estímulo expressivo que propiciou a veracidade de todo o processo na execução dessas obras.
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Aline de Macedo Manhães, Criação e Circulação de Imagens sobre Menstruação
Num mundo abarrotado de imagens, pouco se vê sobre as imagens presentes todos os meses na vida das mulheres, as imagens de menstruação. Esta pesquisa tem como objetivo criar visualidades acerca da temática da menstruação, desenvolvendo um corpus de trabalho fotográfico autoral sobre o assunto e levando-o a interagir com a sociedade por meio de diferentes suportes e ações.
Davi Pereira, Desvio respiratório
Procuro com meus trabalhos, inicialmente, uma relação mais próxima comigo mesmo; em como eu lido com o meu corpo e mente permanecendo em passagens de tempo preestabelecidas; de que modo se dão as percepções das sensações corpóreas e mentais e como transcorre minha relação com o outro e o entorno. Me é estimada uma tomada de consciência sobre alguma forma de atenção e de olhar sobre os mais ínfimos movimentos da vida e de minha própria apreensão, sendo construído a partir de todas as subjetividades e elementos externos, esperados ou não, que podem se aproximar de modo totalmente orgânico e não planejado. Fome, frio, medo, dor, cansaço, lágrimas, suor, excitação, todos elementos inerentes aos trabalhos, sejam alicerçados por mim mesmo, uma outra pessoa ou o ambiente do entorno. Perceber o corpo e como esse corpo responde a fatores externos e internos é um desejo. Há uma busca por um caráter silencioso e meditativo dos trabalhos e uma certa predileção por invisibilidade. Mais que um embate ostensivo com a biopolítica me interessa saber como eu, artista, e meus trabalhos nessa jornada solitária podemos fincar raízes, ou melhor, escavar brechas de permanência e resistência. Prosseguir existindo, apesar de; e me constituindo enquanto sujeito, da maneira mais honesta possível, sem me deixar levar pelos efeitos de uma sociedade normalizadora da barbárie. Um dos possíveis horizontes da arte seria a de fazer respirar, de furar essa normatividade, fissurando o monólito do biopoder.
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Ana Carla Soler, Divinas Tetas
O feminismo é um tema que sempre esteve em pauta em casa, desde pequena. Fui criada em uma família matriarcal, com uma figura feminina forte. Um feminismo vivenciado - a partir de um contexto histórico durante os anos 70 e 80 - por minha mãe, graduada em engenharia pelo Mackenzie, em 1977. Na época, a presença feminina no curso era ainda mais rara que hoje: naquele ano, em todo curso de Engenharia, graduaram-se 3 mulheres. E, mesmo criada em discursos feministas que, apesar de muito importantes na minha formação, de algumas maneiras, ainda me lembram “moldes” que entendo como reflexos do sistema patriarcal, onde a figura masculina de autoridade é simplesmente substituída pela feminina.
Para o trabalho, trago pensamentos e me apoio em simbolismos para uma narrativa. Desde a construção do papel machê até sua execução final formando cada um dos seios. Peitos esses que bastante comumente são símbolos do feminismo. Permeiam às passeatas acerca do tema, com mulheres com seios desnudos. O uso iconográfico deles nas representações femininas ou em sua manifestação na publicidade. Mamas essas que também nutrem e são fonte de toda a necessidade da vida humana ao nascer. São esses peitos também censurados, no verão, na televisão, nas redes sociais. Tetas que, pelo menos as minhas, nem se lembram a última vez que usaram um soutien.
O soutien também é símbolo. O significativo evento da "Queima de sutiãs" - protesto público, do "Women’s Liberation Movement" em Atlantic City, EUA. Acumulados, guardados, amontoados. Ocupando espaço. Ocupando espaço e moldando o corpo. Meu corpo. Corpo meu que é também de todas as mulheres que me nutrem, que são amigas, irmãs, mães e cúmplices na jornada. As mulheres que me compõe. Que não sou só eu. Eu sou cada uma das pessoas que eu amo.
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Rafael Nunes Menezes, e desvio.
As relações estabelecidas entre arte, espaço e sujeito têm apresentado dissidências durante a pandemia de COVID-19. Dos sujeitos isolados aos negacionistas; das negações à arte como potência de tornar aparente as diferentes experiências de ser, estas compartilhadas através de discursos narradas e vividos por atravessamentos afetivos, políticos e/ou sensíveis. Logo, a ideia de um único caminho é – e sempre foi – tão ingênua quanto o questionamento “seremos uma sociedade melhor no pós-pandemia?”. As relações humanas se mostram complexas durante a história para uma resposta definida, e não há definitiva alguma. O que existe são novas formas de ir e vir a partir das impossibilidades – passagens. É preciso criar desvios apropriando-se do(s) espaço(s) para tecer diálogos com e sobre arte(s) e sujeito(s). As interferências no ir e vir mudaram a forma como as pessoas contemplam as paisagens. Dessa forma, o olhar deve ser exercitado: nas ruas com suas artes urbanas; na arquitetura da cidade e no descaso para com ela; nos corredores do mercado; na distância que há entre as pessoas nas filas, nas vi(d)as; no contemplar da vista que se tem pela janela; no silêncio do isolamento; nas páginas em branco – por vezes incômodas. Caminhar pelas produções artísticas (e o fazer artístico) se mostra uma importante intervenção nos corpos anestesiados por meses de clausura – física e/ou criativa. Porém, essas ideias/produções necessitam ser compartilhadas (mesmo em forma remota), pois somente com diálogo e difusão tais práticas de subjetivação podem suscitar experiências significativas na maneira que outros sujeitos se relacionam/veem a arte e a si mesmos no mundo. “[...] para alguns não há desvios, para outros, todos os caminhos são desvios.” (CANTINHO, p. 18, 2018).
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Chico Fernandes, ECLIPSE
Fiz estas imagens a partir da percepção de que muitos artistas, inclusive eu, utilizam tarjas ou outros efeitos para cobrir partes do corpo para poder postar no Instagram, por exemplo, mas sempre como um recurso neutro. Abstraímos a tarja e entendemos que é um trabalho com nudez. Pensei então utilizar a tarja como parte constitutiva da imagem. Para fazer esta integração me ocorreu o movimento dos corpos celestes, que com sombras, se aproximam à ideia de eclipse. Corpos celestes que cobrem o corpo de carne. O trabalho não é sobre nudez, não apresentaria estas fotos sem a tarja, o trabalho é sobre censura.
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Luanda de Oliveira Rainho Ribeiro, Esboços possíveis para uma casa impossível
O trabalho é uma seleção de quatro obras produzidas entre 2019 e 2020 que integram a série em andamento “Arqueologia do impossível”, partindo da possibilidade de encontros com “frestas” ou portais similares aos descobertos em casas da literatura fantástica, como em o “Aleph”, de Jorge Luis Borges, ou “Através do Espelho e o que Alice encontrou por lá”.
Os desenhos são investigações acerca do potencial poético de uma sensibilidade aos elementos cotidianos, permitindo a produção de subjetividades. Um calendário atravessado por fragmentos de uma narrativa; uma cortina, uma relíquia e uma tapeçaria: partes de uma casa invadida por elementos orgânicos, signos da passagem do tempo.
A série integra a construção de uma narrativa ficcional na qual uma personagem denominada “Arqueóloga” habita uma casa atravessada por forças da fabulação manipuladas pela artista, através de uma transmutação de memórias. A narrativa, construída como uma pesquisa cartográfica, gera episódios não lineares e fragmentários, abordando relações entre memória e esquecimento, ciclos temporais, familiaridade e diferença, e a tensão entre desejo por acolhimento e desejo por fuga.
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Pedro Igor dos Santos Bento, Esforço n. 3 - às conhas confissiono desejos
Catar conchas na praia com a família realizando um movimento ora meditativo ora dançado consonante com o mar, sol e terra. Ação realizada na praia da Ilha do Guajirú, Itarema - CE.
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Rayssa Verissimo, Fago-vômito
Fago-vômito
Videoperformance
2020
38’ 14”
Ab.bey ag.na.to
Be.rim.bau
Cí.tro.co
Beau.ti.ful
Cu.bic
di.mi.nu.ti.vo
Di.vine
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Full
Fago-vômito constrói-se através de dois vídeos montados em formato de diálogo. À esquerda, palavras de um dicionário de inglês são anunciadas com uma péssima pronúncia - estereótipo do imigrante; à direita, um dicionário de língua portuguesa é mastigado em movimentos que investigam um paradoxo digestivo entre uma fagocitose e uma antropoemia.
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João Gustavo Martins Melo de Souza, GALPÕES E BARRACÕES: ENTRECRUZAMENTOS ALEGÓRICOS
Imagens da pesquisa de campo nos galpões dos bumbás em Parintins (AM) e nos barracões das escolas de samba do Rio de Janeiro.
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Ella Franz Rafa, Isso aki ainda vai
Realizado durante o período da pandemia, o trabalho surge de uma imagem marcante do mito da Deusa do sol do xintoismo, no Japão. Na lenda Amaterasu se recolheu em sua caverna, após o Deus das tempestades ter matado, por acidente, uma das criadas da deusa. Nesse tempo, a terra ficou totalmente no escuro, as plantações secaram, gelo cobriu todo o planeta. Os Deuses preocupados, foram até a caverna de Amaterasu, mas não conseguiram fazer com que a Deusa saísse de seu refúgio. Então, Uzume, a deusa da alegria do amanhecer, posicionou um espelho numa árvore próxima à abertura da caverna, tirou as roupas e começou a dançar, todos os deuses, começaram a rir, fazendo com que Amaterasu saísse da caverna para entender o motivo de tantas risadas. Assim que a Deusa saiu, bateu de frente com seu reflexo reluzente no espelho, encantada pela luz, os outros deuses prontamente fecharam a entrada da caverna, fazendo com que o sol voltasse a brilhar no planeta.
A imagem do espelho na árvore me instigou a experimentar essa imagem mitica na matéria. Venho trabalhando desde 2017, a relação do nosso corpo, com o corpo da natureza, numa tentativa de reintegração, mas também numa forma de criar narrativas, histórias e consequentemente, memórias. Ao posicionar o espelho na árvore mangueira do jardim da casa da minha família, percebi que ela pedia a escrita, que expressasse uma mensagem, como se vinda da terra, mas também do território que ela ocupa. E dessa forma surgiu a videoarte “Isso aki ainda vai”.
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Ana Sabiá, Jogo de Paciência
Um lençol branco é um elemento que perpassa muitas simbologias, do acolhimento do lar à assepsia hospitalar, vida-morte, bandeiras, religiões e festas. Aquele lençol-moldura tornou-se minha “folha em branco”, estrutura primordial na construção imagética do meu enfrentamento ao evento pandêmico.
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Lucas Gibson, Little Flu
“Little Flu” é um projeto sobre meu isolamento durante a pandemia de COVID-19. Utilizando um microscópio digital, comecei a fotografar meu corpo, os insetos que me visitavam, a tela do computador (o meio por onde me informo), imagens impressas, os objetos, as situações e texturas do palco do meu isolamento, qual seja, meu quarto. As imagens produzidas representam uma busca e uma obsessão pelo invisível, que pode estar nas superfícies e pequenezas ao redor, quando já não está dentro de nós. A câmera microscópica funciona como metáfora da busca por algo que não se vê, algo que estamos sendo forçados a olhar e refletir, mas também uma busca que na verdade é uma não-busca, pois se achamos o que procuramos pode ser tarde demais. Inventa-se um vocabulário, um teatro, uma gramática visual para que se passe o tempo, se entenda a importância dos detalhes e se conecte com a realidade interior. A atmosfera misteriosa das imagens funciona como uma maneira de reforçar a confusão mental e a incerteza pela qual estamos todos passando. O quarto, o corpo e o entorno se manifestam como elementos de representação social e atuação política, da casa para fora, do particular para o geral.
“Little Flu” é a forma como a mídia internacional traduziu a expressão “gripezinha”, usada pelo presidente do Brasil para qualificar o vírus responsável pela pandemia.
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Maria Madeira, MENINO OU MENINA? MENINO? MENINO? MENINA? É O QUE?
A obra participou da exposição: Corpos e Territórios/ Arte em disputa, no Museu da República em 2018. O trabalho é diretamente ligado ao teatro de animação e inserido nas artes visuais contemporânea; neste trabalho, os bonecos construídos atuam com intenção de fazer uso da linguagem plástica-visual, contribuindo para ampliar o campo cênico do teatro de formas animadas, ao mesmo tempo em que aborda algumas discussões urgentes, precisas e que atravessam o momento atual do país: a obra em si levanta reflexões sobre as questões de gênero - infância - equidade racial – feminismo. A inspiração foi dada através de uma boneca muito comum nos anos 80 para contar histórias. Uma espécie de boneca duas em uma ou três em uma, que geralmente representava personagens do universo infantil como a Chapeuzinho Vermelho ou Branca de Neve, que quando virada de ponta-cabeça se tornava a vovó ou lobo mau, ou ainda os dois. Possuir personalidades diferentes, ter outros “EUS”, ter corpos diferentes, ser “diferente” partindo de uma única base. O objeto criado torna-se também um “objeto-personagem” do teatro de animação e está em cena sem seu manipulador, está em cena para ser manipulado por outres, pois a obra só é de fato entendida em sua completude se manipulada pelo espectador/observador/animador, a obra pede aos “visitantes” sua ação corporal sobre ela, pede a interação do público para sua existência enquanto objeto artístico sensorial. Porém, quando a peça é tocada, ela conta ao espectador/manipulador algo, o surpreende e assim se dá um ato teatral dentro das artes visuais.
Ano: 2018
A obra é composta de seis pares de bonecos e seis berços.
Medidas: 33x12x19
Material: bonecxs de plástico, TNT, popeline, roupinhas criadas variados tecidos, tinta acrílica, cabelos sintéticos e natural.
Berços: MDF
Sergio Mauricio Teixeira, Não rebobine (2020)
O trabalho em vídeo consiste em uma fita VHS contendo a palavra "futuro" sendo inserida em um aparelho de videocassete. Utilizo o objeto do VHS como um símbolo de nostalgia e de uma tecnologia que um dia já foi considerada moderna, ao mesmo tempo que brinco com o conceito de "futuro", materializado como se fosse um filme que pudéssemos dar play quando quiséssemos.
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Gabriel Bonfim, Não tem nada de errado acontecendo
“Não tem nada de errado acontecendo” encontra-se em permanente processo de criação. Mesclando diferentes modalidades de produção, são realizadas alterações gráficas e conceituais na bandeira do Brasil como forma de denúncia e indignação com o atual período caótico-político-histórico-social do país. As novas bandeiras em questão ganham as ruas de Florianópolis (SC) em forma de lambe-lambe em uma ação performática.
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Stéfani Agostini, O toque da tua ausência
A obra "O toque da tua ausência" integra a série Incorporações da Ausência, que se origina nas reminiscências herdadas da mãe que me abandonou aos três anos, e integra uma poética da ausência materna. A partir da subtração da imagem de minha mãe destas fotografias herdadas, crio silhuetas com diferentes materiais, que são inseridas em berços. Estes materiais, tornam a ausência materna uma possibilidade de incorporação, solicitam os sentidos do espectador, para que este sinta: o cheiro, o toque, o sabor, e o som desta ausência.
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Claudia TS, Oriebmaj
O titulo se refere a uma viagem rumo ao significado rosa , uma busca reversa, da palavra jambeiro ao contrário. O trabalho é o deslocamento de uma circunstância doméstica rural( moro em Vargem grande, local de horta, herbário, árvores frutíferas e gramado)para um contexto expositivo. A coleta de flores( processo de paciência, obsessão e instância)material rosa maravilha da florada de novembro 2020 a janeiro 2021, do jambeiro rosa.Trabalho ritualistico para perspectiva orgânica e sensorial. Construção de tapete. Medida 80x60. Experimentaçã ao explorar espaço e dimensões, possibilitando narrativas sensoriais em lugar de fala do corpo,resignificando camadas de memórias, numa construção lúdica e de composição com o cotidiano doméstico. Montagem cumulativa.
Anna Moraes, para desenhar com os olhos
Minha prática artística é baseada na investigação de possibilidades do desenho para além do suporte tradicional, refletindo sobre questões contemporâneas, poéticas e conceituais. Com o isolamento social de 2020 e a impossibilidade de dividir uma mesa de ateliê e ministrar aulas de desenho, passei a pensar possibilidades de se desenhar junto, ainda que isolados, adentrando na linguagem da videoarte. Inicio uma série de vídeos feitos com imagens produzidas por programação. Os vídeos sugerem a trajetória de um ponto no espaço, como um convite aos olhos do espectador para desenhar junto, uma prática quase impossível quando se desenha com o lápis. São vídeos curtos, pensados para serem inseridos nas redes sociais como um respiro artístico em meio a tantas notícias e imagens. Entende-se aqui que tudo pode ser desenho quando analisado pelo viés conceitual, sensível e abstrato desta atividade ancestral que nos acompanha desde a infância, como movimentar as mãos para simular o movimento do mar ou ligar pontos no céu pensando as constelações.
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Mariana Rocha, Pele inquieta
Envio 5 pinturas da série Pele inquieta, inspirada em moluscos, especialmente no polvo fêmea Heidi, personagem principal de um vídeo chamado Octopus dreaming, encontrado por mim no Youtube. Enquanto Heidi dorme, sua pele se move em variações de cores e volumes, e o pesquisador responsável por ela inventa uma narrativa do que poderia ser o seu sonho. Ainda não se sabe se os polvos realmente sonham - descobriu-se que os chocos, parentes dos polvos, exibem padrões de sono semelhantes aos REM, a fase do nosso sono em que ocorrem os sonhos mais vívidos. Nessa fase, nossos olhos podem se mover muito rapidamente, assim como a pele de Heidi se move no vídeo.
Existem células na pele dos polvos chamadas cromatóforos, que secretam tintas e os tornam capazes de produzir cores, texturas e desenhos variáveis em sua pele, de acordo com a ocasião. Os polvos são capazes de usar a pele para se comunicarem. Importante também a informação de que o sistema nervoso desses animais é distribuído pelo corpo, ao contrário do nosso, que está centralizado na cabeça. Eles têm grande parte do cérebro nos braços, sendo, portanto, possível dizer que os seus braços pensam e tomam decisões, além de tocar outras peles.
Ficha técnica:
Mariana Rocha
Pele inquieta
Acrílica, guache e lápis de cor s/ papel
2020
Dimensões variadas
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Cladenir Dias de Lima e Angelina Costa, Poética do (in) Perfeito
A obra apresentada na série Poéticas do (in) Perfeito utiliza o gesso para construção da obra agregando a esse material todos os seus aspectos históricos e conceituais, mas também apresenta alguns aspectos a essa produção contemporânea, pois no processo de produção e apresentação da obra o grupo não chega a concluir a peça, ou seja, apenas uma fase do corpo é moldada, cabendo ao próprio espectador que se coloque no lugar da imagem ali apresentada. Essa participação não se dá apenas pela possibilidade de se colocar (vestir a peça) mas também buscar pela memória as cenas ali apresentadas e/ou vivenciadas. As camadas de ataduras de gesso colocadas uma sobre a outra, nos remete as “camadas” que temos que ir incorporando em nossas jornadas escolares e sociais, já que é deste tema que a obra trata. A cada novo pedaço agregado, um invólucro é formado, assim como um casulo que se guarda para se apresentar o novo. O antes “feio” se lança no futuro como “belo”.
No caso das obras da série Poética do (in) Perfeito aquilo que poderia ser considerado belo ou perfeito seria o corpo humano, tendo como base um dos conceitos clássicos, porém, ele é envolvido em uma couraça dando a quem vê a obra apenas “a casca” na qual o espectador pode se colocar, ou ainda poderíamos dizer, se abrigar. Ou seja, embora de aparência não muito agradável, ela não é repelida, mas incorporada, absorvida e entendida por quem a olha já que em algumas situações nos colocamos em condição de defesa, isto é, criamos nossa própria “casca”. É possível dizer que ao apreciar a obra o espectador se identifica à medida que se projeta na figura (escultura) ali colocada.
Cristina de Pádula, QUARENTENA, 2020
Durante os primeiros dias de quarentena nesta pandemia realizei uma série com mais de 40 vídeos a partir da minha relação com minha casa e o os diferentes estados emocionais devido ao confinamento e a medo diante da possibilidade da morte.
Este vídeo apresenta uma situação de confinamento e restrição tanto espacial quanto da linguagem. Uma mesma frase é repetida pela voz que se desloca no espaço de um corredor fechado.
“Não vou dizer a continuação, porque estou cansado desse lugar e quero ir para outro.” - BECKETT, Moloy, 1947.
No vídeo, a frase repetida exaustivamente e um corpo que se desloca e que não se apresenta visualmente, podem sugerir ideias de esgotamento e restrição. A partir de uma condição distópica nada elucidativa, é eliminada a possibilidade de comunicabilidade e determinação de fim.
Há diante desta extrema negatividade, que se expressa sobretudo na primeira parte da frase (Não vou dizer a continuação, porque estou cansado desse lugar), um deslocamento positivo na parte seguinte: o desejo de “e quero ir para outro” lugar, - afirmando talvez um desejo utópico, mesmo que ainda insuficiente de transformação.
Cristina de Pádula
QUARENTENA, 2020
Vídeo.
2,34 min
2020
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Ad Costa, Remover antes de usar (Site specific)
O Remover Antes de Usar propõe críticas conceituais, com foco nos detalhes resgatados no campus Maracanã antes da pandemia, porém com discussões pontuais acerca de problemas crônicos da sociedade brasileira, bem como da própria UERJ. A frase Remover Antes de Usar, imprensa em etiquetas com alarmes costurados em roupas e encontrados em algumas lojas de vestuários, serve como uma lente de aumento para discussões frequentes e anteriores à pandemia, como feminismo, a censura às manifestações políticas, ideológica e artística, além de questões de ordem público-administrativas mesclados com religião; criando, assim, outras perspectivas sobre as mesmas. Todos esses fatores podem afetar, de algum modo, a administração pública de instituições consideradas essenciais para qualquer país, como o ensino público e o desenvolvimento científico. A frase dos alarmes de roupas serve como alerta para os detalhes do cotidiano despercebidos pelas pessoas. O conceito de site-specific, relacionado ao registro fotográfico, é apresentado como uma forma de expressão poética e conceitual, a fim de demonstrar os resultados do projeto. Os resultados apresentados são imagens produzidas a partir da intervenção manual da frase Remover Antes de Usar em objetos, que são produzidos e inseridos manualmente nos fragmentos das imagens. Elas são captadas pela câmera de um celular e realizadas em setores da UERJ ligados à cultura e às artes, como a COART e o atelier da IART. Os meios utilizados são a gravura, na produção de uma bandeira de sinalização, e a impressão em acetato com a frase Remover Antes de Usar. A pesquisa utiliza as intervenções nas imagens com a finalidade de instigar críticas, apropriando-se de detalhes internos e externos da estrutura arquitetônica da UERJ, em especial da rotina da comunidade interna do campus Maracanã. Os trabalhos da pesquisa evidenciam questionamentos relacionados a problemas sociais e políticos impactantes na vida acadêmica dos seus envolvidos.
Chang Chi Chai, RETRANCA
Quando uma época histórica se manifesta em sua vertente mais confinada, como sociedade em perigo, em grande crise de sobrevivência, a dupla face do isolamento e da proteção (medo, desassossego) mostra se como uma dobradiça abissal, um limiar tenso entre o macro e o microcosmo que sempre somos: nosso habitat e o mundo, a solidão e a comunhão, essa dobra perene tantas vezes enfrentada. O vídeo enxuto, ascético, mas também sonoro traz à tona um contexto subjetivizado do presente melancólico, em crise que vivemos. Um portal em falso, ironizado, uma singela retranca de portas de todo tipo que se sucedem em um gesto à defensiva, oclusivo que cega, oblitera nossa passagem, repetidamente. E não só cotidianamente, também em sua metaforização política.
RETRANCA
Vídeo: 0’50”
12/2020
Paula Peregrina, Retrato Inverso
O que possibilita a exibição da imagem a partir dos meios digitais em muito se diferencia dos mecanismos primeiros do vídeo e da fotografia. Antes, apesar das distorções dos filmes exibindo imagens fantasmagóricas que viriam a ser ‘reveladas’ ou editadas de maneira semelhante ao original, havia, ainda, certa materialidade e a linguagem predominante da imagem e da forma. No meio digital a imagem, inclusive a imagem-sonora-em-movimento, aquela na qual nos transformamos em uma videoconferência é, antes ou mais do que tudo, informação.
No espaço virtual, ainda que ao vivo, ainda que os originais vitalícios respirem diante da tela, não somos iguais ao que de nós é reproduzido. Para além do enquadramento, existem os mecanismos digitais (de programação e afins), mais complexos, que processam a nossa imagem, tempo, som, presença e o reproduzem. O que nós vemos a partir da tela também não é exatamente o que é. Nossas transmissões, ao vivo ou gravadas, podem ser convertidas em uma série de códigos que, de fato, são o que possibilitam a sua exibição.
Essa inautenticidade fica evidente diante da possibilidade de ‘ligarmos’ ou ‘desligarmos’ parte da nossa exposição (imagem, som), de estarmos presentes em mais de um espaço virtual simultaneamente (exibição múltipla Zoom/Youtube) e, inclusive, com diferentes níveis de qualidade, pelos erros na conexão ou dispositivos que resultam em lapsos temporais entre a fala e a reprodução da voz ou velocidade/fluidez do movimento da imagem reproduzida. Mais autêntico do que a própria imagem visualizada, os códigos que a possibilitam permanecem fantasmagóricos nos dispositivos, enquanto encaramos com alguma naturalidade a reprodução que proporcionam – passivamente alienados da nova linguagem que nos domina. Brinco com esse meio, fazendo o movimento inverso de um retrato, apagando furtivamente o código responsável pela exibição da minha imagem em uma conferência solitária no Google Meet.
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Thayane Vicente Vam de Berg, Rubens Gerchman e a Escola de Artes Visuais (1975-1979): Espaço de Emergência/Espaço de Resistência ou o Jardim da Oposição
Durante a gestão de Rubens Gerchman (1975-1979), a Escola de Artes Visuais (EAV) propôs-se como um espaço de liberdade, fruição artística e troca de experiências, que proporcionou o desenvolvimento e aprimoramento de inúmeros artistas. Sua proposta pedagógica inovadora promoveu um ensino fundamentado em cursos livres e experimentais que integravam arte e educação. A EAV pode ser interpretada como um grande experimento artístico, nos moldes de um Happening, no qual se misturavam, coexistia e se integravam diferentes meios de expressão, linguagens e estímulos. O espaço desta escola livre se destacava ainda mais por conta do cenário político brasileiro vivido naquela época, e em meio às tensões impostas pela ditadura, este local foi um dos refúgios para a liberdade de expressão. No que tange à metodologia utilizada, para a elaboração deste estudo propõe-se a realização de uma pesquisa histórico-documental com viés qualitativo, na qual serão objetos de análise: a documentação presente no arquivo pessoal de Gerchman, em particular seus documentos do período à frente da direção da EAV, e os painéis utilizados na icônica exposição de 1978, Parque Lage: Espaço de Emergência, Espaço de Resistência. Os objetivos propostos nesta investigação são: apresentar alguns dos fatores que proporcionaram a ampliação dos limites éticos e estéticos da arte nesta escola; e compreender o papel de estranhamento, resistência e contestação desempenhado pela arte num período marcado pela censura. Outrossim, este estudo estará vinculado à discussão alicerçada num quadro referencial teórico-metodológico que englobará a temática dos arquivos pessoais, como potencial fonte que dialoga com a memória individual e a memória coletiva.
Emanuel Marques, Terra da Santa
O Auto da Terra da Santa é uma obra teatral escrita por Erotilde Honório, nele a
autora, que é conterrânea de Guassussê, desenvolve um projeto de resgate da
memória, revisita o passado e reconta a história de luta do povo de Conceição
do Buraco, ao ser expulso de suas terras pelas águas do Açude Orós.
As diferentes versões dadas pelos moradores mais idosos para a história da
antiga Guassussê se complementam, formando uma memória coletiva a partir
das memórias individuais. É uma história nativa, contada e recontada há muitos
anos, como uma colcha de retalhos. Após a primeira versão, vieram outras, nós
integramos todas elas, desde crianças fazendo parte dessa memória e, por essa
relação afetiva com o texto, nós decidimos produzir a mais recente versão: Terra
da Santa – o Musical.
Maryah Monteiro, Travessias
"Travessias" começou com um sonho durante o período de isolamento social (Pandemia Covid-19): no onírico de uma especial madrugada, minha casa estava imersa em água, como um grande aquário. E eu me movia, nadando-dançando e aguardava pessoas com quem iria compartilhar esta minha instalação. Sim, porque estava fazendo arte.
Acordei e dias depois decidi seguir esse fluxo e inundar as telas que estão na minha casa (celulares, notebook-tablet, tv), escorrer, rolar por entre elas. As telas que estavam "demasiadas" para mim. Sobrecarregadas e me sobrecarregando, por serem os meios para as principais atividades do meu dia-dia entre comunicação, estudos e trabalhos nestes tempos de isolamento. E antes de tudo, precisei esvaziá-las. Ouvir o silêncio, deixar em off. Como com meu corpo. A necessidade de transbordar é tanto quanto a de esperar, buscar respiro e horizonte. Estou em contínuo trânsito dessas nuances. Em minha formação e experiência artística me identifico com um modo mais transdisciplinar em processos criativos. Minha pesquisa atual situo em um campo expandido de artes como conceito, no campo coreo-cinema. "Este campo coreocinemático permite e gera um conjunto de reflexões e noções, considerando-o para além da mera oposição ao registo audiovisual da dança, acrescentando assim à dialética sobre a imagem dançada - a imagem da dança e a coreografia, - corpos como documentos, como componentes de arquivo e como arquivos vivos (arquivo corporal), bem como seu repertório. (Ximena Monroy em “Coreo-cinema: relaciones y tránsitos en constelación medial”, tradução minha). Emergem palavras chaves como "corpo-câmera" e "corpo-vídeo-instalação".
"Travessias" abre possibilidades para o corpo que transborda e de uma só vez se contém, se adapta a um novo lugar, a princípio estranho ou distante dele. Esta perspectiva ressoa muito no meu processo onde encontrei no meu apartamento e telas que me circundam o site-specific para minha pesquisa.
Lise Aragão Bastos, 42m2
No início, isoladas. Trinta dias corridos nós as duas em 42m2. Panelaços e sons dos vizinhos gravados não só na memória, mas no gravador. A primeira saída, registrada. O externo é infinito, mas está fechado, solitário, assusta. Em todos espaços e possíveis companhias, há medo. Trazemos o de fora pro nosso espaço interno, nossos 42m2. Depois trazemos o som de dentro – vizinhos e instrumento musical de casa - para aquelas imagens de fora. Cartografamos nossa primeira saída e saímos diversas vezes através deste mapa carioca, estamos pra sempre em Santa Teresa no dia 23 de abril de 2020 depois de trinta dias corridos, isoladas.
Cristiane Souza de Oliveira, Sobre o Vestido Branco
A performance Sobre o Vestido Branco nasceu em 2010, à época da minha formação em Artes Visuais na UERJ. A ação se inicia num jogo com um tecido branco de quarenta metros de extensão, onde as duas extremidades têm o formato de um vestido. Ele pode ser vestido, ao mesmo tempo, por duas pessoas, cada uma na sua ponta do tecido. De modo geral, eu me coloco no espaço a ser desenvolvida a ação já vestida com a minha parte enquanto é desvelado todo o seu cumprimento com as movimentações corporais. Em algum momento, quando o tecido já está todo na cena, mostro a outra parte do vestido para que alguém se ofereça para vesti-lo. Daí em diante, o trabalho se dá com as propostas das duas partes, num jogo que articula as ações físicas e as nuances concretas do tecido, integrando as formas no espaço, peso do tecido, nós e tramas que se estabelecem. O tecido, em sua potência material, estica, enrola, voa, embola, dança, emaranha, enrosca, enquanto contorna a atmosfera do diálogo com os corpos que circundam.
O ano de 2020 inaugurou uma dinâmica planetária chamada de pandemia por conta de um vírus que nos imobilizou e nos obrigou a parar, rever e reavaliar especificidades da vida, nos deparamos com a impossibilidade dos encontros. Em certo momento, depois de muitos fluxos e fases, entendi que eu precisava me abastecer, mesmo solitariamente, me nutrir. Nutrir de que em meio ao caos?
A performance então ganhou uma versão audiovisual na pandemia, experimentando a solidão e a profundidade do encontro com o tecido e com as forças invisíveis que me movem.
Tatiana Drummond de Oliveira Faria Moura, Cancelada?
Trabalho de vídeo realizado com fragmentos de vídeos com filtros do Instagram, com trilha criada a partir de gravações (canceladas) de cut-ups de vinil.
Tatiana Henrique Silva, Blues em Preto e Branco
“Blues em Preto e Branco” é uma leitura performática de poemas de May Ayim, poetisa africana-alemã, atravessada por imagens corporais baseadas na mitologia de Nanã."
Apresentação e justificativa
May Ayim é uma poetisa negra alemã. A partir do encontro com Audre Lorde, May se torna ativista, e sua escrita é atravessada por questionamentos de deslocamento e reconhecimento de si e de nossas origens. Blues em Preto e Branco é uma leitura performática de alguns desses poemas, através de imagens corporais baseadas na mitologia de Nanã.
Mariana Vidal, O Enforcado
O trabalho parte dessa sensação de suspensão em que vivemos, agora de maneira mais perceptível no período pandêmico, mas que de alguma maneira já era experenciada por alguns, como a filósofa Isabelle Stengers cita no início do livro No tempo das catástrofes: “Vivemos tempos estranhos, um pouco como se estivéssemos em suspenso entre duas histórias, que falam ambas de um mundo que se tornou ‘global’” (pág 9). Desse modo, recorro ao arquétipo d’O Enfocardo, décimo segundo arcano do Tarot, para conceber este trabalho. Arcano este que fala sobretudo de uma momento em que nada podemos fazer e somos obrigados a ficar imóveis, mas que apesar disso, representa uma tomada de consciência e mudança de perspectiva (o enforcado fica de cabeça para baixo), advinda desse momento de pausa, observação e consequentemente reflexão. Além disso, ainda é possível relacionar [na obra] essa “tomada de consciência” com as perspectivas decoloniais
O trabalho consiste em um globo terrestre “invertido”, pendurado no teto por uma corrente, aqui apresentado em forma de vídeo.
Laura Jeunon de Sousa Vargas, Infinitas formas de brotar
A série fotográfica que aparece neste vídeo conta com quarenta e oito imagens, das quais selecionei oito para compor o filme. Da filmagem do processo e performance, uma hora e vinte e três minutos de material. Sigo pensando em apresentar Infinitas formas de brotar através de grandes impressões fotográficas (se possível, numa escala próxima da natural) penduradas, enquanto o vídeo é apresentado em algum canto ou sala do espaço de exposição. Por outro lado, tanto a possibilidade de agregar a poesia que me é tão cara, quanto meu entusiasmo com montagem e cinema, além da necessidade de isolamento social, fazem eu insistir no potencial da peça audiovisual.
Me encanta a chance de trabalhar com tempos de exposição que evidenciem movimento, variação de ritmo, pausa e impermanência. Um mecanismo que mostra meu corpo sem esconder a matéria atrás de mim, e que ainda é capaz de somar os estágios da minha performance criando corpos e estruturas desconhecidas, que só vou constatar depois. Me torno translúcida e, se assim quiser, múltipla. Como se, entre o abrir e o fechar do obturador, por aquele meio minuto, eu vivesse uma dimensão diferente. Me desafio a descobrir qual o ritmo “certo” para de cada intenção, e a cada resultado a vontade de tentar mais uma vez, e outra. Não há dupla-exposição, nem manipulação em photoshop.
É preciso descobrir um espaço confortável para poder se sustentar protagonista: reconhecer que seu ritmo e tempo de florescimento, seja como for, é válido e natural. Por enquanto, encontrei esse. E ao cultivar plantas, sentir multiplicar mudas, lembro disso todo dia e ganho forças. Crescer, florescer, transformar. Se (re)fazer broto a qualquer idade ou tempo.
Infinitas formas de brotar, 2021
vídeo, 4'16''
Ferramentas: Câmera Canon com lente 24-70mm, câmera de iPhone, Adobe Lightroom Classic, iMovie, Macbook.
Denise Cathilina, LANGUAGE - De acordo com Puncher & Wattmann
O vídeo “LANGUAGE - De acordo com Puncher & Wattmann “é uma referência à peça teatral de Samuel Beckett Esperando Godot, e ao monólogo do personagem Luck no qual ele cita os trabalhos publicados de Puncher e Wattmann .
A linguagem é um código , um sistema . É cultura . A capacidade de vocalizar é genética. O cérebro das pessoas disléxicas não decodifica bem a linguagem escrita .
O ponto de partida do vídeo foi texto gerado por um programa de computador que simula como os disléxicos percebem um texto escrito.
Giselle Magioli Fernandes da Silva; João Gabriel da Silva de Carvalho Moreira; Mariana Nunes dos Santos; Thamires Burlandy da Mota Chagas, Oficina das Manas: poéticas, compartilhamentos e circularidades
A Oficina das Manas nasceu do desejo compartilhado entre amigas de amadurecermos nossas práticas, saberes e ideias por meio de oficinas de arte e pela realização de pesquisas para pensarmos propostas voltadas para os mais diversos públicos. Somos um grupo plural com experiências diversas em arte e em educação formal e não formal. Decidimos criar um modelo de trabalho itinerante que atuaria em espaços públicos e escolas, propondo experimentos artísticos e compartilhando nossos saberes.
Nossa estreia presencial foi adiada devido à pandemia do coronavírus, mas através da nossa insistência nos consolidamos em 2020 pelo meio virtual. Estamos aprendendo e descobrindo como trabalhar materialidades, tempos, espaços e afetos nesses novos moldes de encontros. E falamos de afetos no sentido de sermos afetados pelas nossas próprias propostas, que nos fazem repensar as ideias e intenções, bem como o modo como podemos (pois desejamos) criar uma relação afetiva com nossos interlocutores, de modo que essa troca transcenda a superfície virtual, mas que faça sentido e que produza outros sentidos para esse novo modelo de convivência, que seja mediada pela poética pessoal proporcionada pela experiência artística.
Para nós a existência desse grupo é fundamental para nos estimular à criação e à investigação de práticas artísticas e educativas, pois não descolamos a educação do processo de criação. Acreditamos que a investigação com materiais, linguagens e modos de fazer pode amadurecer nossos sentidos e inteligências, desenvolvendo uma poética particular que vai muito além da técnica. Compartilhar essas proposições têm sido importante para nos enxergarmos como artistas e educadoras e também para percebermos como as pessoas estabelecem o diálogo conosco. O espectador não é apenas espectador, ele é convidado a participar desse processo de experimentação e construção de subjetividade.
Walla Capelobo, Para lembrar dos tempos sem cerca: mandioca e inhame
Escrevi no chão uma espiral que perpassa um broto de mandioca e outro de inhame. Conceição Evaristo no texto “Da grafia-desenho de minha mãe um dos lugares de nascimento da minha escrita” (2005) conta sobre como sua mãe desenhava e escrevia na terra, maneira que ela encontrou de repassar suas memórias mesmo sem possuir os dispositivos formais de escrita, me inspiro nesse gesto e na terra grafo. Espiral que é fundamento na cosmogonia bantu congo angola e que a rainha do reinado de Jatobá (Belo Horizonte/MG) e pesquisadora Leda Maria Martins argumenta sobre performance do tempo espiralar (2003), onde escurece sobre a memória encarnada no corpo dos sujeitos afrodescendentes e que são acessadas nos movimentos de tempos não lineares. Espiral que é o tempo da ancestralidade, que volta mas não é o mesmo, a partir desses conhecimento sobre tais movimentos eu os componho e os apresento na maneira que em meu corpo a lembrança é encarnada.
A terra, máquina do tempo, local de decomposição e elaboração constante da vida aqui é retomada como fonte de acesso aos tempos pré-colonização, o mesmo chão que o piso guarda as maneiras de uma vida sem cerca. É nas raízes, elementos das plantas mais próximo ao chão que intuo guardar os componentes de reminiscência desses tempos, onde a mandioca (originária de Abya Yala/Pindorama) e o Inhame (África) guardam os segredos que possibilitaram nós, pessoas de cor, sobreviver as terras que um dia foram invadidas.